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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Toda flor-raiz murcha


Toda flor-raiz* murcha. Não há flor que fique esticada e colorida para sempre. As rugas começam proliferar, os sulcos pequenos, mas prevalecem, retraem e encolhe as pétalas. Suas curvas se estreitam, ficam pontiagudas, marcas dos vendavais, do pingo forte da chuva, dos insetos que nela pousaram. E agora, param de refletir o calor solar, viram opacas, sem cheiro. O amarelo-marrom outono aparece como a cor comum e egoísta. Sua tonalidade fica mais perto do que se enxerga pela terra, e não só os tons, a aproximação física se demonstra evidente. Embora vê-la assim, decadente e perto do fim, controversamente, é magnífico encontrar na mesma roseira, que a flor-raiz desvanece, existe outra no seu ápice que resplandece.

A interposição da natureza se revela como uma das faces mais surpreendentes, no contraste de elevações e declinações da energia vital. Renova-se e volta ser velho. O movimento cíclico institui objeto circular, acendendo a ideia do eterno retorno. E do rio de Heráclito que evapora, da nuvem ao mar, assim continua. Basta, portanto, ao ser humano, o difícil caminho de achar sentido no murchar, no envelhecer, na passagem, do vir-a-ser, na finalização, na transitoriedade da vida. Decorre na percepção que a única permanência, se impõe a lei da mudança. “Passam-se os céus, passa-se a terra”, “pois tudo é vaidade”. Essa é uma afirmação imperativa e inexorável para “tudo”, tudo o que é visível desaparecerá.  Como orvalho da manhã que seca ao brilho forte do sol, se esvai a farinha pela peneira, a vela que a chama dura apenas uma noite e apaga. O processo de renovação da vida é constante, nós que somos passageiros, vamos e retornaremos ao mesmo lugar. “E da vida nada se leva”, “nascemos nus, e é assim que voltaremos”.

Certa vez foram perguntar o porquê Marco Aurélio não temia a morte, logo retrucou que a sua convivência era diária com ela, pois todos os dias morriam alguma nele e também renascia algo maior. Estava íntimo dela, por isso não haveria razões para ter medo. Mas indagou ainda o porquê fala-se tanto da morte se nunca viremos a conhecê-la? Ora, quando ela chega, a vida já se foi. A morte está mais próxima do que comumente estamos acostumados a dizer. A sua lógica influi em todos os lugares, em nossa pele centenas de milhares de células morrem e outras nascem em questões de horas.

(...)antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento; Antes que se escureçam o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; No dia em que tremerem os guardas da casa, e se encurvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; E as portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar à voz das aves, e todas as filhas da música se abaterem. Como também quando temerem o que é alto, e houver espantos no caminho, e florescer a amendoeira, e o gafanhoto for um peso, e perecer o apetite; porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadores andarão rodeando pela praça; Antes que se rompa o cordão de prata, e se quebre o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se quebre a roda junto ao poço, e o pó volte à terra(...)

Esses versos foram atribuídos para o notável rei Salomão, que no livro de sua velhice, Eclesiastes, seus conselhos descortinam o processo da passagem do tempo para qualquer um. A decrepitude da força física do homem, o aumento exponencial de dificuldades e suas demais mazelas. Na mesma linha, na tragédia Rei Lear de William Shakespeare, confesso que ainda não li, o Bobo da Corte profere ao rei Lear:
Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.
Leandro Karnal complementa, já que a velhice é inevitável, a sabedoria um ganho, ou se tornará um velho bobo. A vida desprovida de sentido não lhe trará boas lembranças, e se forem boas aos seus olhos comprovará sua tolice. Pois conforme B. Russel em um paraíso de tolos, só um tolo consideraria um paraíso. Busque incessantemente a sabedoria antes dos “maus dias”, não tenha medo da morte, porém de encontrar-se velho sem ser sábio.

Do que o homem pode se orgulhar ainda vivo? Se não tem nem mesmo controle sobre si, imagine se terá controle sobre as condições que o rodeiam. Aceitar que és finito, e que sua vida não depende tão somente de si. Depreende-se o personagem bíblico chamado Jó, açoitado pelas circunstâncias que voltaram contra si e sua família, no seu diálogo com seus amigos evoca sua pequenez em relação ao controle de sua existência. E quando Jó compreende que não pode se sustentar pelos próprios feitos e as rédeas não estão completas em mãos. A reviravolta acontece novamente, da ordem ao caos, do caos á ordem. Mas este personagem está longe de ser um joguete do destino. Mesmo nas situações trágicas que lhe foram impostas, sua resposta foi de cabeça erguida e abalizada pela sua consciência e não pelo fervor dos seus nervos. Pois considera que tudo que lhe é concedido, é uma dádiva. “Ele mesmo o deu, e ele mesmo o tomou”, uma clara menção do desprendimento e com o sentimento de gratidão. Portanto, o desapego as coisas vãs e a gratidão foram a chave para conviver sem aquilo com que tinha tanto estima.

C'est fini!

*quando a flor é artificial, ela não é produzida com raiz, ou quando ela é retirada para entregar para alguém a raiz é cortada. Então apenas no pé, a flor é a raiz.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

tons de chuva

Noite escusa
Lança de mim dessa vez
Os propérios da escuridão
Mim assombra, nuvens brancas, brandas e espessas
O cinza branco, transparente e o invisível
Alva, Cintilante, e Cinza Chuva
Sobreposição intercalada de nuances
Escondem o reluzente Sol, amarelo amanhecer
Ou o azul anil espalhados pelo céu
Desaquecendo as sombras, menos turvo
Do que luz do meio-dia
Vem acender o frio da água
Escorre pelo ar, se escora em cantos
ao chão...